terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Talvez...

Eu não podia deixar você ir. Eu estava sentado ali, naquele pedaço de jardim que era nosso, esperando por alguma coisa, algum sinal que desse a entender que, no final de tudo, pelo menos até onde as coisas podem e se permitem ter ou ser um final, nada houvesse sobrado. Algum sinal que me mostrasse de forma concreta que, apesar de mim, de você, de nós no jardim, alguma coisa havia se quebrado.

Ultimamente, eu havia deixado de ser tão certo e de pensar que tudo entre nós era certeza. Nada era, aparentemente, importante o bastante pra ser ou se tornar indubitável. De minha parte ou de sua? Talvez de nenhuma parte, talvez das duas. Quem há de dizer que não eram(ou são)a mesma coisa? Talvez, o que eu chamo de parte tenha pra você um outro significado, completamente diferente. Ou talvez não signifique nada.

Talvez. Sempre havia o talvez, uma incerteza que eu não conseguia traduzir, por mais que quisesse. Ou em realidade, não quisesse, mas me sentisse forçado a acreditar em querer porque a alternativa que era não traduzir implicava no constante conflito com a própria crueldade avassaladora da dúvida.

Então, tudo se resumia a isso? Todos os meses, ou anos, ou talvez apenas alguns minutos que valeram a pena, seriam todos jogados em alguma gaveta por uma sua decisão impensada, ou talvez pensada de forma equivocada demais para a sua natureza?

Sentia que você parecia querer se esquivar da luz desse fim de tarde. Ou do fim de tarde em si. Você sempre teve medo do escuro. Sempre, durante a noite, se dizia amedrontada pelas sombras que os pinheiros do jardim proporcionavam, e se abraçava ao travesseiro com uma expressão tão inexoravelmente infantil, que eu me sentia obrigado a oferecer proteção.

Pude ver que até mesmo o travesseiro você iria levar. E enquanto você atravessava o jardim, colocando suas coisas no banco de trás do carro, eu tentava entender quais teriam sido as mentiras, ou talvez verdades em demasia, que teriam feito com que todas as juras se tornassem inválidas.

Penso que talvez elas não tivessem sido verdadeiras o bastante desde o começo. Penso que possam ter sido fruto de um sentimento apaixonado, ou de uma vontade e necessidade de proximidade que só poderia ser adquirida com tempo, mais tempo do que nós dois tivemos, ou talvez tivéssemos. Mas então tudo se torna confuso demais, e o medo de achar algo que comprove verdades em minhas idéias fazem com que eu abandone a tentativa.

Eu não podia deixar você ir. Precisava canalizar todos os meus pensamentos para a criação de algum argumento que fosse forte o bastante pra fazer com que você parasse, hesitante, porque esse momento de hesitação seria tudo o que eu precisava. Mas você me conhecia bem demais para perceber meu plano, e não tão bem para perceber as consequências que suas ações trariam.

Não sei dizer como você conseguiu suportar a visão de um eu com as mãos na cabeça, os olhos tão acentuadamente desesperados, a boca incapaz de formar frases, formulando palavras que soavam desconexas e desimportantes. Acho que você nunca ligou muito para o que eu sentia.

Quando você se foi, eu não me mexi. Não podia aceitar que, afinal, você conseguira ligar o carro, manobrá-lo e sair pelo portão. Não podia aceitar que você tivesse ido, porque aceitar me levaria para um nível de sofrimento insuportável, inimaginável para qualquer um que não tivesse passado por ele, e grande o bastante para que ninguém jamais lhe esquecesse, uma vez experimentado.

Ainda não aceito. Ainda penso que você vai abrir a porta da frente, carregando um pacote de pão comprado da padaria, uma garrafa de vinho debaixo do braço. E espero. Talvez, quando você entrar na sala e me vir na cadeira, vai sorrir, cúmplice. Talvez.

Soneto do Amor Indagado

Se no teu corpo tão perfeito
Recaem tuas vestes imaculadas,
És fada,és divina,
És sonho de noites enamoradas.


Se nas tuas vestes brancas
Repousam tuas mãos, tão lírios,
Há certeza de me entorpecer:
Um sem fim, feito ameno.


Se tuas mãos enluvadas
Escondem tanto e nada fazem
Fazes sem perceber:
Segura-me aos pouquinhos.


Se aquele escondido não soltaste,
Havia de ser então minha mão:
E se minha mão repousa na tua,
És minha. Ou serei teu?